segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Inquietações

À medida que surgem novos resultados científicos, a 23andme vai actualizando a nossa informação genética à luz desses resultados sob forma de “relatórios clínicos”. O último desses relatórios até à data não me agrada nada.

Dizem-me que o meu risco genético de sofrer, ao longo da vida, uma coisa chamada fibrilhação auricular (FA) é superior à média (20,5 por cento contra 15,9 por cento na população geral). Estima-se que a componente hereditária da FA ronde os 60 por cento, ou seja, os genes pesam mais no risco do que os factores ambientais.

A FA em si não é nada de especial, a não ser que, como qualquer arritmia cardíaca, e sobretudo quando aliada a certos outros factores de risco (hipertensão, diabetes, etc.), faz aumentar o risco de tromboses. E isso é preocupante.

Alguns sintomas de FA: palpitações (costumo ter), falta de energia (quem lhe escapa?) Tudo isto não quer dizer que eu tenha AF, mas dá para pensar.

Uma das maneiras de reduzir o risco vascular é com medicamentos que tornam o sangue mais fluido, para impedir a formação de coágulos potencialmente perigosos quando surge a arritmia.

Um desses medicamentos chama-se warfarina – e um dos grandes problemas com a warfarina consiste em determinar a dose certa para cada pessoa. Se for administrada warfarina a mais haverá riscos de hemorragia interna; se for a menos, o tratamento não reduzirá o risco de AVC.

Ora, precisamente em relação à warfarina, a 23andme também me forneceu, há já uns tempos, informações sobre qual seria a minha reacção a este medicamento se tivesse por acaso de o tomar um dia. Mais uma vez, segundo os meus genes, sou aparentemente mais sensível do que a norma aos efeitos da warfarina – e portanto, as doses deverão ser mais baixas no meu caso.

Pela primeira vez desde que fiz o meu teste genético, sinto a necessidade de falar disto com o meu médico na próxima consulta. Será este o tão apregoado enpowerment em relação à nossa saúde e à prevenção das doenças que nos estão sempre a "vender" como sendo A grande promessa da genómica pessoal? Por enquanto, sinto-me sobretudo um pouco inquieta.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Uma boa notícia


Recebi, através de uma das mailing lists na qual participo, a seguinte mensagem, publicada no site da empresa Family Tree DNA, que transcrevo em inglês:

"An academic research team, including our chief mtDNA scientist Dr. Doron Behar, is collecting mtDNA haplogroup H full sequence results for a population study. The study will update the haplogroup H tree and provide information on the distribution of subclades. Every sample used will help the research team to develop and resolve the H haplogroup tree. Your mtDNA full sequence results qualify for possible inclusion in this study."

Ou seja: a equipa do investigador israelita Doron Behar vai finalmente começar a estudar em pormenor o haplogrupo mitocondrial (ou linhagem genética materna) ao qual pertenço, chamado H, e as suas subdivisões (o meu sub-haplogrupo é o H7, como já aqui disse). Finalmente!

Soube pela primeira do trabalho de Behar em 2006 (na altura no Rambam Medical Center em Haifa), quando publicou um espantoso artigo no American Journal of Human Genetics. Como já referi num post anterior, ele e os seus colegas descobriram, através da análise genética de um outro haplogrupo mitocondrial, chamado K, que, hoje, cerca de metade dos judeus ashkenazes (“alemães”) do mundo descendem de apenas quatro “mães fundadoras”, provavelmente hebreias e originárias do Médio Oriente, que terão vivido na Europa do Norte, naquilo que é hoje Alemanha, há mil a dois mil anos atrás.

Tudo indica que Behar, que como diz a mensagem acima citada é um dos responsáveis científicos da Family Tree DNA (www.familytreedna.com), decidiu que já existem suficientes dados vindos dos clientes dessa empresa para realizar um estudo do mesmo tipo sobre o haplogrupo H – e está a convidá-los a participar.

Penso que é um exemplo fantástico da forma como os cientistas podem utilizar os dados genéticos individuais (sem revelar publicamente a identidade das pessoas) para perceber melhor as rotas de migração das populações humanas ao longo dos milénios.

A mensagem a anunciar o novo estudo foi endereçada apenas aos que já fizeram uma sequenciação completa do seu ADN mitocondrial na FTDNA - e que pertencem ao haplogrupo mitocondrial H.

Como eu fiz o teste na 23andme (que não oferece este serviço) não irei participar pessoalmente no estudo. Mas fico em pulgas por saber o que os resultados irão revelar acerca do meu passado.

Imagem: Árvore do haplogrupo mitocondrial H - Fonte: familytreedna.com

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Haplogrupo paterno: I

O meu irmão acabou por fazer o teste do cromossoma Y para determinar as características dos nossos antepassados por via patrilinear directa (e fico-lhe muito agradecida por isso). A resposta, dada há uns dias pela GenoMed, em Lisboa, que realizou a análise genética, foi: haplogrupo I (caracterizado por uma mutação designada M170).

Lê-se no site da Genomed

Os primeiros povos pertencentes ao grupo I tiveram origem no sul da Europa, imediatamente antes da última glaciação. Os seus antepassados chegaram à Europa por uma rota migratória desde o Médio Oriente até a região actual dos Balcãs. (...) Durante o período glaciar (20-12 mil anos) estes povos ficaram confinados em refúgios climatéricos, localizados predominantemente nas margens do Mar Morto e nos Balcãs. Mais tarde, com a melhoria das condições climatéricas, (...) foram assim recolonizando e deixando descendência por toda a Europa.

E a seguir:

Actualmente, o grupo I representa cerca de um quinto do fundo genético Europeu. (...) as linhagens I predominam na região da Escandinávia e dos Balcãs. As frequências mais elevadas (cerca de 40%) detectam-se nas populações da Herzegovina, Croácia, Bósnia, Sardanha e Escandinávia.

No fim:

O grupo genético I não está habitualmente associado a ancestralidade judaica.

Esta frase evocou logo para mim uma memorável cena do clássico filme Annie Hall de Woody Allen, em que o protagonista, Alvy Singer, num flashback para a sua infância, comenta: “A minha avó nunca dava presentes. Estava demasiado ocupada a ser violada pelos Cossacos.”

Desculpem os que se sentem chocados por esta piada de mau gosto, politicamente incorrecta, etc., etc. A verdade é que aquilo com que Allen brinca naquela frase corresponde sem dúvida à trágica realidade vivida por muitas famílias judias durante os sangrentos pogroms, na Ucrânia e Polónia, do século XIX e inícios do século XX (e que obrigaram à emigração de tantos judeus para as Américas).

Tanto quanto sei, isso não aconteceu, felizmente, a nenhuma das minhas avós nem bisavós, nem trisavós – mas antes disso, não posso garantir nada.

Os genes da minha família poderão assim estar a confirmar uma história de perseguição e violência.

Imagem: DNA Root Tester

sexta-feira, 26 de junho de 2009

O problema da partilha total dos dados genéticos


Participo numa mailing list de genética e recebi pedidos de outros participantes que me pedem que lhes envie a minha informação genética “bruta” de alguns dos meus cromossomas (ou seja, a sequência de letras lidas quando fiz o meu teste genético).

Muita gente está interessada nisto, uma vez que certas comparações só podem ser feitas através de softwares ad hoc. Há um grande número de geneticistas amadores por essa Web fora – e alguns deles desenvolveram programinhas mais ou menos fáceis de usar para extrair informação do genoma – e em particular para comparar pessoas que não passaram pela mesma empresa para realizar os seus testes.

Confesso que tenho ignorado estes convites/pedidos. Confesso que a ideia de que parte ou a totalidade do meu genoma (ou mais precisamente, uma parte ou a totalidade das 550 mil letras do meu ADN que foram lidos pela 23andme quando fiz o teste genético) ande a circular por aí, sem eu saber exactamente onde, dá-me alguns arrepios.

Há uns dias, porém, enviei de facto por email toda a minha informação em bruto (à qual tenho acesso) porque vou participar num projecto científico que acho muito interessante. Mas quando, durante um instante, pensei que me tinha enganado no endereço de email e enviado os meus dados para todos os participantes da dita mailing list, fiquei angustiadíssima. Felizmente, foi um falso alarme…

Num artigo, há uns meses no New York Times, o conhecido cientista Steven Pinker perguntava-se justamente quais poderiam ser as consequências de publicar o seu genoma (e no caso dele, todo o genoma mesmo, pois ele é um dos primeiros participantes num projecto de sequenciação total).

A sua resposta resumia-se a isto: se uma seguradora ou qualquer outra entidade quisesse penetrar no segredo dos nossos genes para tirar ilações sobre as nossas características individuais, estaria condenada ao fracasso. Os genes fornecem informação essencialmente estatística, que se aplicam a grupos de pessoas. E, salvo em raras excepções, a sua contribuição para cada doença ou traço físico ou psicológico é quase inextricável.

Muitos dos receios levantados pela genómica pessoal ignoram simplesmente a realidade complexa e probabilística dos genes”, escreve Pinker. “Esqueçam (…) as empresas de tipo “Gattaca” [alusão ao filme do mesmo nome] que lêem o ADN das pessoas para as distribuir por diversas castas, os empregadores ou pretendentes que penetram no nosso genoma para ver que tipo de trabalhador ou de cônjuge faríamos. Deixem-nos tentar: estão a perder o seu tempo.

Isso é verdade na maioria dos casos. Mas o que dizer de certas doenças genéticas graves e devidas a um único gene, para os quais uma seguradora, por exemplo, poderia rapidamente determinar a nossa propensão e recusar-nos uma apólice – ou um potencial empregador negar-se a contratar-nos? Mesmo aquele bocadinho de ADN que está nas mitocôndrias das células, e que serve para determinar a ancestralidade por via matrilinear, contém genes de doenças – alguns dos quais ainda não identificados.

Quando fiz o meu teste genético e escrevi sobre os resultados, sabia que poderia vir a desvendar coisas que poderiam um dia “ser utilizadas contra mim”, num cenário muito pessimista, uma vez que a exploração de dados genéticos por terceiros quase não está regulamentada. Decidi correr esse risco porque a minha curiosidade era maior do que o meu medo do hipotético perigo envolvido – e porque achava que era importante escrever sobre o tema.

No caso do projecto científico em que disse que vou participar – e que está ser desenvolvido por investigadores de Harvard – tenho a garantia de que os responsáveis são idóneos. Vão utilizar a minha informação, juntamente com a de muitos outros, para desvendar os mistérios da ancestralidade de uma população no seu conjunto (já falarei deste projecto noutra altura), mas sem revelar a ninguém (a não ser a mim) quaisquer traços individuais do meu genoma. Tive de assinar vários formulários de consentimento da minha parte onde eles especificam por extenso, do seu lado, o que podem e não podem fazer com a minha informação genética.

Já não é de todo a mesma coisa difundir de maneira informal a minha sopa de letras, que pode incluir informação relevante do ponto de vista médico. Como sabemos, a informação pode espalhar-se como um vírus na Internet e acabar por cair nas mãos erradas. Tenho a certeza de que as pessoas que me pedem para lhes enviar este ou outro cromossoma o fazem com as melhores intenções do mundo, não é isso que está em causa. Mas sinto que se aceitar, deixarei de ter o controlo sobre a minha informação genética. E por enquanto, apesar dos riscos serem muito remotos (nisso concordo com Pinker) esse é um passo que não ainda estou disposta a dar.

Crédito fotográfico: Dollar Bin/Flickr

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Um programinha interessante

O EURO-DNA-CALC é um software que permite, a partir dos dados genéticos fornecidos quer pela 23andme, quer por uma empresa concorrente, a islandesa deCODEme, calcular a mistura de “europeu do noroeste, europeu do sudeste e de judeu ashkenazi” que uma pessoa de origem europeia tem nos genes.

Não foi imediato perceber como funcionava a coisa. Para fazer download do programa, vai-se ao blogue de antropologia de Dienekes Pontikos, o seu inventor – mais precisamente aqui.

Os cálculos são feitos com base nos dados de um estudo de Alkes Price, de Harvard, e colegas, intitulado Discerning the ancestry of European Americans in genetic association studies e publicado em 2008 na PLoS Genetics.

Aí, os autores definem os europeus do noroeste como sendo originários da Suécia, Reino Unido e Polónia, enquanto os europeus do sudeste provêm da Grécia, Itália e Espanha (esticando um pouco a Rosa dos Ventos). Os judeus ashkenazi são, grosso modo, originários da região que inclui a actual Alemanha.

Depois, lê-se o README.txt e fica-se a saber que é preciso ir buscar um outro software que permitirá fazer o cálculo estátistico para estimar as respectivas contribuções daquelas três populações ancestrais ao nosso genoma. Foi essa a parte que demorei a desvendar... Mas acabei por conseguir, porque está tudo lá escrito, basta ler com atenção.

Descarregam-se então os dados da análise genética para um ficheiro (ambas as empresas acima referidas possuem essa funcionalidade), aplica-se-lhes o software conforme as instruções e sai este queijo (no meu caso):

E esta legenda:
> EuroDNACalc("23andme")
[1] "NORTHWEST EURO: Maximum Likelihood Estimate=17% Interval=[0, 34]"
[1] "SOUTHEAST EURO: Maximum Likelihood Estimate=0% Interval=[0, 36]"
[1] "ASHKENAZI JEWISH: Maximum Likelihood Estimate=83% Interval=[61, 100]"

Não faço ideia da validade científica do resultado e quanto à utilidade não me parece não ser grande, mas cá está.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

E os sete finalistas são…

outros.

Não fui seleccionada para a final do Prémio 3QD de Ciência 2009, apesar de o meu post ter sido o segundo mais votado pelo público.

Agradeço imenso a todos os que votaram em mim!

terça-feira, 9 de junho de 2009

Livros de um mundo perdido

Encomendei há uns dias dois livros que têm a ver com a aldeia de Derazhnia, na Ucrânia, onde nasceu em 1895 a minha avó paterna, Mania Rosenblatt.

Ali, os nazis massacraram toda a população judia – cerca de 4000 pessoas. Hoje, só restam algumas casas típicas dos judeus daquele mundo perdido – e uma espécie de pirâmide de pedra a marcar o local, no meio da vegetação, do massacre em massa e da fossa comum para onde os corpos de mulheres, homens, crianças, foram atirados e empilhados depois de serem abatidos a tiro – alguns deles ainda vivos.

Um desses livros, The Road from Letichev - The history and culture of a forgotten Jewish community in Eastern Europe, de David A. Chapin e Ben Weinstock, é um relato pormenorizado, em dois volumes, quase família a família, dos habitantes judeus daquela zona.

Também encomendei uma recolha de contos pelo autor iídiche Sholem Aleichem (Tevye's Daughters: Collected Stories of Sholom Aleichem) entre os quais há um, intitulado, O Alemão, cuja acção decorre em Derazhnia (que tinha uma importante estação de caminho-de-ferro).

Por último, e noutro registo, um livro intitulado Maurice Rosenblatt and the Fall of Joseph McCarthy, da autoria do jornalista Shelby Scates, do Seattle Post Intelligencer. Já contarei aqui um dia destes o que tenho eu a ver com Maurice Rosenblatt, grande lobbyista norte-americano que precipitou a queda do macarthismo.

Crédito fotográfico: Alexandra Laignel-Lavastine

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Viagem aos meus genes segundo mais votado


Acabam de ser publicados os 20 posts seleccionados para as semi-finais do Prémio 3QD para melhor blogue de ciência 2009.

Como poderão ver aqui, o meu post, intitulado em inglês My Genes and Me: Journey to My Genes, foi o segundo mais votado pelos internautas.

A todos aqueles que votaram nele, os meus mais sinceros agradecimentos.

No próximo dia 11 serão anunciados sete finalistas – entre os quais o cientista Steven Pinker deverá escolher três vencedores até dia 21 de Junho.

Desejem-me boa sorte!

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Listas e mais listas

Ando há dias (noites) com os olhos em bico a tentar encontrar os nomes do meu pai (o bebé, na foto do passaporte Nansen que lhes permitiu sair da Polónia, com a mãe, o irmão mais velho e uma tia) e a família nas listas de passageiros saídos de Hamburgo, de barco, em 1925, com destino a Buenos Aires. Pista: o meu pai tinha à volta de seis meses na altura, portanto deve ter sido lá para o fim daquele ano que eles emigraram.

O site Ancestry.com tem isso tudo em base de dados – ou quase, porque, para o período que me interessa, apenas estão disponíveis por enquanto as imagens digitalizadas dos registos oficiais, com a melhor qualidade possível, que por vezes é nula. Imaginem umas páginas, velhas, coladas, esborratadas... Algumas conseguem-se ler muito bem, outras são umas misturas de palavras escritas nos dois sentidos (a tinta atravessou o papel, ou então passou de uma página para a seguinte ou para a anterior), basicamente ilegíveis. Só no fim-de-semana, percorri cerca de mil páginas manuscritas ou dactilografadas, grandes, pequenas, por vezes amarrotadas (e só ver as imagens aqui reproduzidas!). Por enquanto, não encontrei, mas vou continuar. Já começo a ter jeito para detectar sinais potencialmente relevantes neste mar de folhas.




terça-feira, 2 de junho de 2009

Lei mosaica virada do avesso pela genética

Diz a lei rabínica de Israel – ou lei mosaica – que é judeu (mesmo que pratique outra religião e mesmo que não o saiba) quem tem uma mãe judia. A mãe é por sua vez judia porque teve por sua vez uma mãe judia, que teve por sua vez uma mãe judia e por aí fora, remontando assim até Adão e Eva. Ou melhor: até Eva.

David Goldstein, da Universidade Duke (de quem já falei) é um especialista da análise do ADN mitocondrial – esse bocadinho do nosso património genético que nos veio exclusivamente das nossas mães e lhes foi transmitido a elas pelas suas mães, ad infinitum, por via matrilinear directa. Mas, ironicamente, através da genética, Goldstein põe radicalmente em causa a tradicional visão matrilinear do judaismo.

A genética revelou que existem actualmente no mundo umas dezenas de “haplogrupos” (linhagens genéticas) de ADN mitocondrial, cada uma delas derivada de uma “mãe fundadora” que viveu há milhares de anos (e cada uma, por sua vez, derivada da mãe de todas as mães, a “Eva mitocondrial”, que viveu em África há cerca de 200 mil anos).

Mas ao fazer a análise genética do ADN mitocondrial, Goldstein descobriu, em 2002, que o ADN mitocondrial dos judeus parece descender das populações locais que povoavam a Europa há milhares de anos – e não de hipotéticas “mães ancestrais” judias.

Posso dar aqui o meu próprio exemplo: sou judia e a análise dos meus genes mostra que pertenço ao haplogrupo mitocondrial H7, que é um subgrupo do haplogrupo H, que por sua vez é hoje o haplogrupo mais comum nas pessoas de ascendência europeia, sejam elas judias ou não.

Já uma situação completamente diferente caracteriza o cromossoma Y, que é legado exclusivamente de pais para filhos (as mulheres não tem cromossoma Y, visto ser o cromosoma que define o sexo masculino).

Ora, em 2000, Michael Hammer, da Universidade do Arizona, constatou que o cromossoma Y dos judeus do mundo inteiro parece provir de um número muito pequeno de “pais fundadores”, originários do Médio Oriente e diferentes dos de outras populações.

A teoria de Goldstein permite de facto explicar esta dupla realidade genética configurada pelas características pouco específicas do ADN mitocondrial e muito específicas do cromossoma Y.

A teoria, explicava há uns meses um artigo do New York Times, é que as comunidades judias da Europa foram na realidade fundadas por homens que migraram do Médio Oriente para Europa e casaram com mulheres locais. Elas não eram judias à partida, mas convertiam-se ao judaísmo quando casavam.

A lei mosaica foi virada do avesso pelas leis da genética.

P.S:
Em 2006, uma equipa liderada por Doron Behar, do Centro Médico Rambam em Haifa, Israel, mostrou contudo – mais uma vez através da análise genética do ADN mitocondrial – que, hoje, cerca de metade dos judeus ashkenazes (“alemães”) do mundo descendem de apenas quatro “mães fundadoras”, provavelmente hebreias e originárias do Médio Oriente, que terão vivido na Europa do Norte, naquilo que é hoje Alemanha, há mil a dois mil anos atrás. Para esses, pode ser que a lei mosaica faça algum sentido.

Seja como for, no fundo, o que tudo isto significa é que uma parte dos primeiros homens judeus a instalar-se no continente europeu se deslocou para a Europa com a família, enquanto outros viajaram sozinhos e fundaram família in loco. Uma banal história de imigrantes, em suma.

Imagem: Rembrandt, Estudo para A Grande Noiva Judia (crédito: Endless Forms Most Beautiful/Flickr)

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Fui nomeada, já podem votar!





É com grande prazer que posso anunciar que o meu post , Viagem aos meus genes, superou a primeira fase da selecção para o 3 Quarks Daily 2009 Science Prize. Obrigada a todos os que contribuíram para a minha nomeação!

Agora está na altura de votar, o que podem fazer aqui. É só clicar no botãozinho ao pé de My Genes and Me: Journey to My Genes - e depois no botão "Vote" no fim da lista.

O resultado final da votação será publicado no site 3quarksdaily.com no próximo dia 8 de Junho. Os vencedores, dia 21 de Junho.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Vote no seu blogue de ciências favorito (este!)

O 3quarksdaily.com, um site cujos editores "apresentam diariamente os mais variados itens vindos da web nas áreas da ciência, design, literatura, actualidade, arte e qualquer outra coisa que considerem intrinsecamente fascinante”, lançou o primeiro dos seus quatro prémios anuais de melhor post publicado num blogue. Nesta edição inaugural, trata-se de eleger os melhores posts de ciências.

As nomeações estão abertas até 1 de Junho. Para nomear um post (uma entrada específica de um blogue), basta ir ao fundo desta página e publicar um comentário contendo (no texto da mensagem) o URL do post que se pretende nomear, acompanhado ou não de uma breve explicação da escolha.

Uma vez concluídas as nomeações, todos terão a oportunidade de eleger o seu favorito.

Datas a reter:
- 1 de Junho: as nomeações encerram às 00h00 desse dia (hora de Nova Iorque – 05h00 da manhã hora de Lisboa). Atenção: restam poucos dias para participar nesta fase do processo!
Nesse mesmo dia, dar-se-á início à eleição.
- 8 de Junho: a eleição encerra às 00h00 (hora de Nova Iorque – 05h00 da manhã hora de Lisboa).
- 21 de Junho: são anunciados os vencedores.

Outras informações práticas colhidas no site da 3QD:
- Tudo o que tenha sido escrito desde 24 de Maio de 2008 é elegível
- Entre 8 e 21 de Junho, o conhecido cientista e autor Stephen Pinker seleccionará o blogue vencedor entre seis finalistas.

E agora a parte mais importante: se gosta deste blog, pode nomear já um dos MEUS posts...

Este é o post que pessoalmente recomendo (na sua versão em inglês, visto que se trata de um prémio nessa língua).

terça-feira, 26 de maio de 2009

Passagem para o Brasil


Sempre ouvi dizer, na minha família materna, que o pai da minha mãe tinha emigrado em criança da Rússia para o Brasil, logo no início do século XX, onde o pai dele tinha sido “o fundador” da cidade de Nova Odessa, no estado de São Paulo. E que depois, devido a uma desavença desse meu bisavô com outros imigrantes ali instalados (no então chamado Núcleo Colonial Nova Odessa), a família tinham reemigrado rapidamente, desta vez para a Argentina, acabando por se instalar na povoação de Basavilbaso, a norte de Buenos Aires, na província de Entre Rios.

Ora, parece que foi mesmo assim, ou quase! Acabo de descobrir, num livro de 2008 intitulado Judeus no Brasil: Estudos e Notas, de Nachman Falbel, professor da Universidade de São Paulo, uma passagem sobre o meu bisavô em pessoa! Fiquei de boca aberta, devo dizer – e fartei-me de rir pensando que, afinal, a tradição oral familiar, na qual nunca realmente acreditei (a ideia de um antepassado “fundador” de cidades no Novo Mundo sempre me pareceu exagerada) não estava assim tão longe da realidade.

Não sei se o meu bisavô terá sido ou não corrido de lá pelos outros colonos, que segundo se contava na minha família tinham ficado furiosos por ele lhes ter prometido condições de vida paradisíacas no Brasil – que como é óbvio não se concretizariam –, mas a questão é que a versão histórica da história, relatada no livro de Nachman Falbel, parecendo mais realista, não é completamente diferente da que eu já conhecia desde nova.

Por um lado, faz notar Nachman Falbel, os primeiros colonos judeus que chegaram a Santos, no Brasil, a partir de 1905, vindos da Rússia – entre os quais sete elementos da minha família –, nem sempre eram agricultores: o que queriam era fugir a todo o custo os pogroms da sua terra natal.

Não gostavam da vida de agricultores e, sobretudo, sabiam muito pouco sobre o cultivo da terra – além de que o clima quente e húmido não ajudava. Talvez o meu bisavô tivesse convencido alguns emigrantes a partir com ele, dizendo-lhes que poderiam continuar a exercer a sua profissão – de tipógrafos, alfaiates, etc – e eles tenham ficado muito desiludidos? Não sei.

Por outro, Nachman Falbel conta, na página 218 do seu livro, a escandaleira que fez o meu bisavô, Shaia Hassik, com queixas às autoridades, porque a sua bagagem estava a demorar demasiado a ser-lhe entregue. E a nota de rodapé, na mesma página, acrescenta mais uns condimentos não negligenciáveis que permitem ter uma ideia da disposição de espírito do meu “ilustre” bisavô naquela altura.

Também com base na informação vinda no livro sobre as listas de passageiros dos navios que chegaram de Southampton em 1905 com os novos colonos a bordo, consegui encontrar online (em findmypast.com) o documento original do embarque de todos eles no navio Magdalena – e pude constatar que tinham zarpado a 21 de Abril.

O que confirma que faziam parte do primeiro grupo de imigrantes a chegar (em inícios de Maio) à colónia de Nova Odessa, cuja existência tinha acabado de ser oficializada precisamente nesse mesmo mês. Ou seja, embora o meu bisavô não tenha sido “o fundador” de Nova Odessa, foi de facto um dos seus fundadores efectivos...

Imagem: The National Archives, Reino Unido

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Perdigotos

Hoje, pela primeira vez em mais de duas semanas, tenho um pouco de tempo para dedicar a esta página. Nos últimos dias, tenho-me dedicado full-time a publicar artigos no PÚBLICO sobre outros genes – os do vírus da nova gripe. Diga-se de passagem que parece mentira que um genoma tão pequeno como o deste vírus, com apenas uma dezena de genes, seja tão difícil de dissecar e perceber.

Mas, no fundo, percebe-se facilmente porquê: ele nunca é exactamente o mesmo de uma pessoa para outra – e, para saber donde é que veio, é preciso construir a árvore da sua evolução genética tendo em conta um número cada vez maior de pessoas infectadas. Trata-se de um tipo diferente de “genómica pessoal”, mas que cobra imensa importância em circunstâncias de pré-pandemia como as que vivemos actualmente.

Voltando aos meus genes, o blogue da 23andme, chamado The Spittoon (O Cuspidor), de que já falei, contém artigos muito em dia, na sua secção SNPWatch, sobre os estudos genéticos relacionados com riscos (maiores ou menores) de ter doenças, que vão sendo publicados nas mais importantes revistas científicas mundiais. Deixo aqui ficar alguns dos “perdigotos” mais marcantes das últimas semanas, que fui, claro, comparando com o meu próprio ADN.

Estas potenciais relações entre uma dada mutação pontual (ou SNP) e uma dada doença ainda não estão provadas – e correspondem em geral a riscos apenas ligeiramente diferentes da norma na população geral. Mas dão uma ideia do que se sente quando não são apenas os SNP de pessoas anónimas que estamos a escrutinar – mas os nossos. Passo a citar o SNPWatch:

1 – New England Journal of Medicine (15 de Abril)
A análise conjunta dos dados do estudo de um grupo de pessoas de ascendência europeia nos EUA e na Holanda revelou que a versão A [do SNP designado pelo nome de código] rs12425791 está associada a um risco 1,29 vezes maior de isquemia cerebral [um tipo de AVC].

No fim do texto, há um link directo para o par de letras, ou bases do ADN (uma vinda do meu pai e a outra da minha mãe), que compõem o meu SNP rs12425791. Clico no link e vou dar ao meu "genotipo": AG.



2– Nature (28 de Abril)
[Os cientistas] descobriram vários SNP associados ao autismo. Todos estavam situados numa região do ADN entre dois genes, CDH9 e CDH10, que comandam o fabrico de proteínas chamadas caderinas. “Estas duas moléculas estão presentes na superfície dos neurónios e estão implicadas (...) nas ligações funcionais entre diferentes regiões cerebrais. (...) A nossa estimativa é que as variantes que descobrimos poderão contribuir para até 15 por cento dos casos de perturbações de tipo autístico na população”, diz [um dos autores] num comunicado.
O sinal mais forte veio do SNP rs4307059: comparado com duas cópias [da variante genética] C, cada cópia [adicional] da variante mais comum T fazia aumentar os riscos de autismo 1,19 vezes.

O meu rs4307059: CT. (Mensagem para os mais curiosos: decidi que a análise dos meus eventuais traços de personalidade autísticos ficaria entre mim e a minha imagem no espelho.)


3 – Archives of Ophthalmology (14 de Abril)
Os investigadores descobriram que um SNP em particular, no gene TGF-β1, estava associado à forte miopia [mais de oito dioptrias]. Cada A em rs4803455 reduzia o risco de ser muito míope (multiplicando-o risco normal por 0,67).

O meu rs4803455: AA. (Com que risco duplamente reduzido? Estranho… É verdade que não chego às oito dioptrias, e que só a partir daí é que este estudo considera que as miopias são fortes, mas ando lá perto. Portanto, não acredito muito neste resultado.)


4 – Journal of the American Society of Nephrology (1 de Maio)
Cientistas estudaram 260 pessoas que tinham tido um bypass e constataram que os que tinham um A em cada cópia de rs4680 entravam em choque mais frequentemente, quando comparados com os que tinham outros genotipos (69%, contra 57% nas pessoas AG e 46,6 % nas GG). (...) A duração do choque para além de 48 horas também era mais frequente nas pessoas com dois A (25% contra 13% para as AG 6,8% para as GG). (...) As pessoas com dois A também tinham mais problemas renais agudos. A permanência mediana no hospital após a cirurgia era maior para as pessoas com dois A (nove dias contra oito dias para as AG e sete dias para as GG).

O meu rs4680: AG (Entre duas águas, portanto.)

(Crédito imagem principal: net_efekt/Flickr)

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Apelido

Ça c’est un nom bien de chez nous!” (Esse é um nome mesmo de cá!). Esta resposta, que me foi dada por um alsaciano com quem falei ao telefone há uns anos quando me ofereci para soletrar “Gerschenfeld”, deixou-me estupefacta. Era a primeira vez na minha vida que o meu apelido soava a “de cá” fosse a quem fosse.

Pelo contrário, habituei-me – em França e ainda hoje em Portugal – a ouvir comentários do tipo “ai, que nome tão complicado!” ou “o seu nome não é de cá, pois não?”. Ou, pior ainda, a suportar deformações fonéticas do meu patronímico que vão claramente para além do que seria razoável esperar (“Mme Chantapel? Daqui fala...” foi o início de um outro contacto telefónico inesquecível, também em francês).

Para aqueles que sempre tiveram apelidos “bem de cá”, seja em que país for, isto pode parecer estranho, mas acreditem na minha surpresa e satisfação perante a resposta daquele (imediatamente) simpático interlocutor alsaciano. Afinal, o meu nome talvez fosse mesmo de algum lado...

Agora, relendo as memórias do meu pai que, cinco anos após a sua morte em Paris, e sob o título de Autobombo, acabam de ser publicadas na Argentina (pela Libros del Zorzal) – país para onde ele emigrou da Polónia, com a família, aos seis meses de idade –, descobri uma explicação histórica para a espontânea familiaridade daquele senhor alsaciano em relação a apelidos como o meu.

Os apelidos paterno e materno [Gerschenfeld e Rosenblatt], escreve o meu pai, fazem-me pensar que a minha família provinha da Alsácia ou da Renânia, onde os judeus se tinham instalado no século XIV, após a sua exclusão de França e Inglaterra. Sucessivas expulsões obrigaram-nos a deslocar-se para leste, para outras regiões da Alemanha, e, nos séculos XV e XVI, assentaram finalmente no então Reino de Polónia (que incluía também parte da Ucrânia).
Naquela altura, era proibida a residência de judeus no Império dos Czares, mas na sequência das sucessivas partições do Reino de Polónia, entre 1772 e 1795, mais de 70 por cento dos territórios daquele reino foram anexados ao Império Russo. Dessa maneira, os judeus passaram automaticamente a ser súbditos discriminados daquele império, uma vez que Catarina a Grande lhes impôs a obrigação de permanecer na chamada zona reservada (em russo,
Cherta Osedlosti), que abrangia territórios que hoje fazem parte das actuais Polónia, Lituânia, Ucrânia, Roménia e Bielorrússia.
(Páginas do livro, no espanhol original, que contêm esta passagem)

Tudo se explica... Como também se explica que, olhando mais de perto para o mapa das minhas semelhanças genéticas, construído pela 23andme e de que já falei neste blogue, me tenha apercebido de que, embora os “ucranianos” sejam, como já referi, a população cujos genes são os mais parecidos com os meus, o mapa coloca-me na realidade na confluência de populações de todos os cantos de Europa – e em particular da Europa do Norte, onde se incluem os franceses e os alemães.

Por outro lado, também estou muito perto dos austríacos – e, na Europa do Sul, dos italianos –, o que sugere que o percurso dos meus antepassados, talvez antes do fim da Idade Média, poderá ter sido ainda mais acidentado.

Crédito da fotografia que aparece na capa do livro: Mario Muchnik

terça-feira, 21 de abril de 2009

Incertezas

Conhecer as mutações genéticas que se escondem nalguns pontos do nosso ADN serve ou não para sabermos realmente quais são os nossos riscos face a doenças como a diabetes ou os AVC?

Alguns especialistas começam a duvidar disso, contestando a ideia – que tem sido o credo nos últimos anos – de que a maior parte das doenças comuns são causadas por umas poucas variações genéticas comuns. Este pressuposto tem motivado dezenas de estudos ditos “à escala de todo o genoma”, onde os geneticistas partem à caça de genes de doença através da detecção de mutações pontuais, os célebres SNP, que estejam amiúde presentes nas pessoas doentes mas não nas saudáveis.

Mas esta situação simples só se verifica em raras excepções, diz David Goldstein, geneticista da Universidade Duke nos EUA, que comentava há dias a questão no New England Journal of Medicine. Pelo contrário, o mais provável é, segundo ele, que a grande maioria das doenças comuns seja causada por uma multidão de mutações raras, que numa dada pessoa se combinam, numa lotaria genética, para produzir uma doença.

Se assim for, de pouco ou nada servirá fazer um teste genético pessoal junto de empresas como a 23andme – como o que eu própria fiz – e outras para conhecer esses riscos, uma vez que os testes que essas empresas realizam não passam da leitura de meio milhão ou pouco mais de pontos na molécula de ADN onde se sabe que podem existir essas mutações mais comuns identificadas nos estudos acima referidos. Na esmagadora maioria dos casos, esses resultados nunca nos darão the big picture e mais vale remetermo-nos então ao nosso histórico familiar de doenças para termos uma ideia do que nos espera – a velha “história clínica” cuja importância os médicos de há um século tanto sublinhavam.

Para Steve Jones, conhecido geneticista do University College de Londres que escreve hoje no Daily Telegraph, as pessoas que fazem estes testes genéticos estão simplesmente a atirar o seu dinheiro pela janela. Goldstein, por seu lado, argumenta ainda que, mais frutífero do que ler muitos bocadinhos de ADN de muitas pessoas, o que valeria mesmo a pena, do ponto de vista da investigação médica, é ler o ADN todo – a sequência das duas vezes três mil milhões de letra – de menos pessoas, à procura das verdadeiras e complexas raízes das doenças humanas.

Mas nem tudo são más notícias: ninguém pôs até agora em causa a parte dos testes que têm a ver com genealogia – e Goldstein é aliás um dos grandes especialistas da questão. De facto, isso é muito mais divertido e excitante do que o resto; nunca duvidei e vou continuar a escarafunchar.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Alergias

Pertenço claramente, do lado do meu pai, a uma família de alérgicos. Felizmente, eu não sofro muito disso (sou alérgica a alguns medicamentos como a penicilina e pouco mais, tanto quanto sei, apesar da ocasional comichão por razões indeterminadas). Mas os homens da minha família contam uma história totalmente diferente. Lembro-me, em criança, de ver as mãos do meu pai com placas de eczema entre os dedos (dermatite atópica) que lhe faziam imensa comichão. Isso acontecia, explicava-nos, porque no seu laboratório (era biólogo) mexia em reagentes que lhe produziam reacções alérgicas da pele. O meu irmão e os seus filhos já tiveram episódios mais graves do mesmo tipo ao longo da sua vida. A mais famosa das suas vítimas terá sido o pintor francês Paul Gauguin.
Esta manhã, tive a confirmação de que essa propensão está mesmo nos nossos genes. O Spittoon, o blogue da 23andme, cita um artigo da Nature Genetics deste mês que sugere que, apesar de ter uma clara componente ambiental, o eczema também é genético. O estudo conclui que 13 por cento dos europeus têm uma “letra” T na posição 75978964 da sequência de ADN de ambos os seus cromossomas 11 (um vindo do pai e o outro da mãe) – e que isso multiplica por 1,46 o seu risco de vir a ter eczema em relação ao resto da população. Fui ver as minhas letras nessa posição e... sou TT. Bingo!
Talvez não seja um risco muito grande – e foi talvez por isso que eu me safei. Mas um outro artigo citado no mesmo post do Spittoon refere que essa mesma configuração genética, na mesma posição 75978964 do mesmo cromossoma 11, também faz aumentar os riscos de contrair a doença de Crohn, uma inflamação auto-imune crónica do intestino. Ora, em relação a esta doença, conforme descobri ao fazer agora o teste genético, os meus riscos são três vezes mais elevados do que a média da população. Parece que as peças do puzzle vão encaixando.

sexta-feira, 27 de março de 2009

Partilha

Uma das coisas mais excitantes que se podem fazer com os resultados do teste genético da 23andme consiste em partilhar a informação com outros, à procura de parentes desconhecidos. Faz-se assim: quando encontramos, por exemplo nos fóruns do site, alguém com quem temos curiosidade em comparar os nossos genes, é só enviarmos-lhe um convite e esperar pela resposta.

Quase toda a gente aceita partilhar a sua informação genética ao nível “básico”, ou seja desde que não se revelem quaisquer pormenores específicos do seu ADN, em particular sobre riscos de doença. Partilhar com desconhecidos custou-me um bocadinho no início, mas rapidamente percebi que a minha privacidade não estava em jogo e fiquei viciada. Neste momento, já tenho 17 “amigos” nesta rede social genética, todos eles perfeitos desconhecidos (que eu convidei ou que me convidaram).

Uma vez o convite aceite por ambas as partes, podemos comparar os nossos genomas através de uma funcionalidade chamada “herança familiar”, que permite ver se existem bocados de ADN nos nossos cromossomas que coincidem.

Em princípio, esta opção serve para comparar genes entre familiares próximos, onde se sabe à partida que existem grandes troços de ADN em comum. E, pelo que pude ler, é bastante improvável que venhamos a encontrar este tipo de coincidência genética, por acaso, em pessoas de quem nunca ouvimos falar.

Imaginem portanto o meu espanto ao descobrir que quatro dos meus 17 “amigos” são provavelmente meus parentes, meus “primos” afastados! Custa a acreditar, mas é verdade: quando comparei a minha informação genética, à escala do genoma todo, com essas pessoas, surgiram no diagrama comparativo, pintados a azul, troços inteiros de cromossomas. Com uma das pessoas, a coincidência chegou a abranger uma sequência de 20 milhões de “letras” do ADN no cromossoma 5. Com outra, como se pode ver na imagem (onde ocultei o nome da pessoa, por razões óbvias de direito à privacidade), a coincidência envolve uma sequência de 10 milhões de letras no cromossoma 4.


O que é que isto significa? Significa que, segundo os resultados genéticos parciais que temos, um dos nossos respectivos pais (ou mães) nos transmitiu um bocado de cromossoma idêntico (em inglês, a expressão utilizada é half-identical, para lembrar que esse bocado provem de apenas um dos nossos progenitores). E isso quer dizer que esse pai ou essa mãe, por sua vez, partilhavam ou partilham entre eles ou bocados “meio-idênticos” de ADN – ou seja, eram ou são “primos” (um pouco menos) afastados. E assim sucessivamente, até remontar a um antepassado comum, que terá vivido há uns séculos atrás.

Eis o que me respondeu outro desses meus “primos”, com quem partilho uma sequência “meio-idêntica” de 10 milhões de letras de ADN no cromossoma 9, quando lhe exprimi as minhas dúvidas acerca desta conclusão: “Sim, quer mesmo dizer que temos um antepassado comum, que pode ter vivido há 300-400 anos atrás, conforme a taxa de recombinação genética na região onde vivia. É pouco provável que esse antepassado comum tenha vivido há mais do que 300-400 anos, porque se assim fosse, a recombinação [dos genes a cada nova geração] já teria eliminado [o troço de ADN meio-idêntico] da ancestralidade que ambos partilhamos.” Pareceu-me razoável.

Também perguntei a uma cientista especializada em ancestralidade genética e ela confirmou.

Aparentemente, este tipo de situação não é assim tão invulgar nas comunidades, nomeadamente religiosas, que não se costumavam misturar muito com outras através do casamento – e que ao mesmo tempo fizeram, a dada altura, parte de uma diáspora, espalhando-se pelo mundo devido às mudanças religiosas e políticas nos países onde viviam.

segunda-feira, 23 de março de 2009

A4793G

É o nome de código da mutação pontual, no meu ADN mitocondrial, que assinala que pertenço ao haplogrupo materno (ou linhagem matrilinear) denominado H7. Isso significa que, na posição 4793 do meu ADN mitocondrial, em vez de ter a letra A (a “base”, ou tijolo de construção do ADN, chamada adenina), tenho uma outra base, a guanina (G). A linha correspondente foi destacada a roxo na imagem. Mas essa não é a minha única mutação relacionada com a minha ancestralidade, pois o meu ADN mitocondrial contém também, como é óbvio, as diversas mutações que se foram acumulando, ao longo do tempo, nos genes das minhas “antepassadas”, desde que a chamada “Eva mitocondrial” (a mãe de todos os seres humanos modernos, que terá vivido em África há uns 200 mil anos) pisou o planeta.


A 23andme diz-me que a sequência de mutações pontuais que, partindo da mutação A4793G (para abreviar, chamam-lhe 4793), e viajando para o passado, permitem remontar do haplogrupo H7 até à Eva mitocondrial, é a seguinte: 4793, 2706, 7028, 11719, 12705, 10398, 10873, 15301, 8701, 9540, 1018, 769, 13650, 16278, 3594, 4104, 7256, 7521, 10810, 15301, 16129, 16187, 16189, 825, 8655, 2758, 2885, 7146, 8468, 16230, 11914, 10589, 6185, 4312 (uma verdadeira sopa de números!) As mutações nas posições 2706 e 7028, por exemplo, definem o haplogrupo H, do qual o H7 é um sub-haplogrupo directo. E, remontando pelos ramos da árvore até ao tronco, passa-se por outros haplogrupos mais antigos: HV, R, N, L3, L2, L1, até àquela mãe primordial.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Quero mais!

Apetecia-me mandar sequenciar a totalidade do meu ADN mitocondrial (a parte do genoma que nos informa sobre a nossa linhagem materna directa). O site o mais indicado para isso parece ser o Family Tree DNA. Só que, das três modalidades que eles propõem – mtDNA, mtDNAPlus, mtFullSequence, a única que me interessa, porque me dá mais do que a 23andme, é a terceira – e custa neste momento 495 dólares. Ainda estou a ponderar. As outras duas opções fornecer-me-iam muito menos informação do que a que já tenho, e portanto uma definição menos precisa do meu “haplogrupo” (família genética) materno. A primeira (129 dólares) determina apenas 22 SNP (mutações pontuais) na chamada Região Hipervariável 1 do ADN mitocondrial (HVR1), que é como se olhássemos para ele com uma vulgar lupa de mão; a segunda (189 dólares) acrescenta uma série de SNP pertencentes à Região Hipervariável (HVR2), o que já representa uma resolução um pouco mais elevada. Mas compare-se com o que faz a 23andme, que determina cerca de 3000 SNP distribuídos não só pelas HVR1 e 2, mas também pelo resto da molécula de ADN mitocondrial toda, e está tudo dito. A vantagem da FTDNA é, porém, que como existe há mais tempo e têm muito mais clientes do que a 23andme, há muito mais gente com quem comparar os nossos resultados à procura de semelhanças.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Pintar os cromossomas

Eis uma visualização dos meus cromossomas 1 a 22 (na realidade, cada um representa duas cópias de cada cromossoma, uma cópia vinda do meu pai e a outra da minha mãe). Há mais dois cromossomas (o par número 23), que não estão aqui representados e que determinam o sexo da pessoa. No meu caso, como sou mulher, herdei um cromossoma X de ambos os meus progenitores e sou XX.

Esta funcionalidade do site da 23andme, chamada ancestry painting, permite ver a origem dos meus cromossomas por grande região geográfica.



No meu caso, a imagem mostra que 99 por cento dos meus cromossomas 1 a 22 são de origem europeia (pintados de preto). O resto do meu genoma, menos de um por cento, está pintado de laranja e é de origem asiática. Trata-se de um bocadinho do cromossoma 8, vindo apenas de um dos meus pais (simbolizado pelo facto que só a metade inferior desse bocadinho está pintada de laranja); e de um bocado algo maior do meu cromossoma 18, que revela ter a mesma origem geográfica em ambos os meus pais, pois está totalmente pintado de laranja. A pintura dos cromossomas tem outra faceta muito interessante, mas essa história fica para outra ocasião.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Origens

Para tornar mais coerentes os cálculos de risco face às diversas doenças, temos de auto-definir, no site da 23andme, a nossa “classificação étnica”, que mais não quer dizer, no fundo, do que a origem geográfica dos nossos antepassados que conhecemos. Quando tentei fazer isto a primeira vez, não encontrei o que achava ser a minha classificação: Europa do Leste.

Os meus avós vieram todos da Ucrânia, perto de Odessa, o que é claramente o Leste da Europa, mas só tinha como opções Europa do Norte e Europa do Sul. O que é que tinha acontecido à Europa do Leste? Tinha de escolher entre as duas? O mais próximo era Europa do Sul mas não me parecia suficientemente específico – até por toda a diferente história dos judeus ibéricos (sefarditas) e os da Europa Central e de Leste (asquenazins). A lacónica resposta a mais um mail foi “Ponha Europa do Sul”. OK; foi o que fiz.

Devo dizer que fiquei satisfeita ao ver que os meus genes me davam razão a mim também. Utilizando uma coisa chamada “semelhança global avançada”, vi que efectivamente, o grupo de que estava mais próxima em termos de semelhança genética era o dos “ucranianos” – e que estes se situavam, devidamente, entre a Europa do Sul... e a do Leste (a mancha verde maior, nas imagens, sou eu).




terça-feira, 3 de março de 2009

As coisas evoluem depressa!

Enquanto aguardava pelos meus resultados, tive a oportunidade de espreitar o tipo de resultados que iria receber. O site da 23andme permite criar logo uma conta de utilizador e explorar os genes de uma família fictícia, os Mendel (discreta homenagem a Gregor Mendel, considerado o pai da genética).

Uma das dúvidas que me surgiram nessa altura foi a seguinte: aparentemente, não iam testar a presença de mutações nos genes BRCA1 and BRCA2. Ora, as mutações nestes genes são de alto risco para o cancro da mama. Mandei-lhes um mail e responderam-me o seguinte: “No futuro, esperamos incluir análises adicionais para identificar algumas das mutações mais comuns dos genes BRCA associados ao cancro da mama.”

O futuro era logo ali, poucas semanas depois, quando finalmente chegaram os resultados. Estes incluíam de facto a análise de três possíveis mutações nesses fatídicos genes. Mas não percebi logo. Entrei na página dos meus resultados e só depois é que me dei conta da importância do que estava a ver. Foi um grande susto, deveras, porque eu estava confiante – o futuro é suposto ser mesmo no futuro – de que não se tratava desses. Felizmente, não sou portadora de nenhuma das três mutações.



Mas mesmo o facto de não ter as mutações não significa que não seja portadora de outra das milhentas que podem atingir estes genes. Como dizia também aquele mail de resposta, isto não é um diagnóstico do meu risco real face ao cancro da mama hereditário, pois tal exigiria uma sequenciação completa dos genes em causa – ou seja, a leitura de todas as letras que os compõem – à procura de todas as mutações possíveis. O que a 23andme não faz.

domingo, 1 de março de 2009

Viagem aos meus genes

(clique no título para ler o texto na íntegra)
Ver PDF do artigo do PÚBLICO

A ideia de conhecer os segredos do meu ADN fascina-me há anos. Não tanto para saber da minha predisposição para esta ou aquela doença, mas pelo que os meus genes me poderiam contar sobre a origem dos meus antepassados longínquos. Recentemente, o preço destas análises genéticas tornou-se suficientemente abordável para ser feito por qualquer pessoa (umas centenas de euros) e propus ao P2 que arcasse com os custos da minha análise genética, que eu contaria o que me fosse revelado - o bom e o mau e o assim-assim. Aqui vai. Bem-vindos a mim!

As instruções dizem para cuspir para dentro do tubinho de plástico. São 10h00 numa manhã de Dezembro. Na casa de banho, abro a proveta e começo a cuspir. Não comi nem bebi nada, nem escovei os dentes (mais instruções) na última meia hora. Não me posso enganar, tem de sair bem à primeira.
Ao contrário do que pode parecer, não é fácil encher com três centímetros de cuspo um tubinho com mais de um centímetro de diâmetro, "tentando não fazer bolhas", como também mandam as instruções. Para facilitar o processo, dizem que temos de esfregar a língua na parede interior das bochechas. É o facto de passear a língua na boca que garante que, juntamente com a saliva, caiam dentro da proveta células da mucosa bucal. São essas células que contêm o ADN que vai ser analisado.

- texto integral -


Faço-o vezes sem conta, parece-me ter a boca cada vez mais seca, mas é apenas uma impressão: a saliva vai escorrendo e o nível de líquido vai subindo lentamente na proveta, até atingir o traço que marca a quantidade certa a recolher. Não é bem cuspir, é mais babarmo-nos, mas com grande precisão. Olho para o relógio: foram precisos quase 15 minutos para completar a operação.
Fecho o tubinho com uma tampa grande, especial, que ao ser enroscada liberta dentro da saliva uma solução destinada a preservar a amostra. Agito-o muito bem para misturar tudo, retiro a tampa e coloco outra, mais pequena, normal, definitiva. Já está. Ponho a proveta dentro de um envelope acolchoado, endereçado para a Califórnia, que depois vou despachar por correio especial.
Foi no início do mês de Dezembro que encomendei este kit de teste genético no site da empresa 23andme.com. Poucos dias depois já tinha recebido, por correio expresso, uma caixinha verde, com o meu nome e apelido bem visíveis no exterior, em letras garrafais, junto ao número de código que me daria acesso on-line aos meus resultados quando estivessem prontos. Era dentro da caixinha que vinham a proveta, as duas tampas e a lista de instruções.

Genes com nome e apelido
A 23andme é uma das várias empresas que actualmente oferecem a qualquer pessoa a análise do seu ADN individual. É uma das mais conhecidas e é também considerada uma das mais sérias. Igualmente aliciante é o facto de terem baixado drasticamente o preço do teste no final do ano passado. Por apenas 399 dólares, propõem não só uma visita guiada aos nossos cromossomas, à procura dos segredos escondidos no nosso ADN - principalmente doenças (brrrr!) -, mas também a descrição de uma série de traços físicos e psicológicos e até um vislumbre dos nossos antepassados. Pela primeira vez, tornou-se possível obter informações sobre o nosso próprio ADN, um ADN com nome e apelido, não o de um anónimo representante da espécie Homo sapiens sapiens.
Não se trata de ler o nosso genoma na íntegra - isso ainda está fora do alcance monetário da esmagadora maioria - mas apenas uma (pequeníssima) parte dos seis mil milhões de letras que compõem o ADN (metade vinda da nossa mãe e metade do nosso pai, e que se juntam em pares nos nossos cromossomas).
Esta alternativa mais modesta consiste em detectar bocadinhos de apenas uma letra de ADN, chamados SNP (single nucleotide polymorphims, pronunciar snips) onde residem mutações pontuais. Por um lado, quando um snip está situado dentro de um gene, altera o seu funcionamento; por outro, mesmo que esse snip não afecte directamente nenhum gene, o facto de ter sofrido uma mutação pode indiciar que, perto dele, existe alguma mutação - essa sim, relevante para a saúde - num gene ainda não identificado. O snip serve neste caso de marcador, de sinal, e pode permitir detectar mutações importantes. "O SNP serve de baliza de uma forma semelhante à que as pessoas utilizam para descrever localizações", lê-se no site da 23andme. "Podemos não saber onde fica a loja de ferragens do bairro, mas se soubermos que está situada, no máximo, a um quarteirão de distância da farmácia aonde fomos no outro dia, vamos conseguir encontrá-la." Estima-se que existam cerca de 10 milhões de SNP no genoma humano e a 23andme lê actualmente 550 mil desses SNP nas nossas células, sabiamente distribuídos por todos os cromossomas.
O objectivo principal, diz a 23andme, é informar as pessoas acerca dos seus riscos de saúde, porque essa informação - que poderá motivar mudanças de estilo de vida ou até fazer com que fiquemos mais atentos ao aparecimento de determinados sintomas - é uma nova forma de controlo que adquirimos sobre a nossa própria vida.
A minha motivação, porém, é um pouco diferente: a ideia de conhecer o meu ADN, de olhar para as sequências das minhas letras A, T, G, C, fascinava-me há anos. Imaginava que me pudesse revelar coisas fascinantes acerca dos meus antepassados. Nunca me interessei muito pela minha genealogia próxima, mas a genealogia genética, a possibilidade de ficar a conhecer as minhas raízes à escala dos milénios, isso parecia-me valer a pena. Se ainda por cima fosse possível ligar a informação genética a dados históricos sobre os meus antepassados mais próximos, ainda melhor.
Portanto, mal surgiu uma oportunidade de me tornar cobaia destas experiências de "genómica pessoal" (é assim que chamam a esta nova área), não resisti. Considerei, como é óbvio, o risco de vir a descobrir coisas terríveis sobre mim própria, doenças hereditárias, deficiências biológicas contra as quais nada poderia fazer. Seria melhor saber ou não saber quais os meus riscos de ter cancro da mama? Mas a curiosidade acabou por ser mais forte do que os receios. E foi assim que acabei a cuspir para dentro do tubinho.

A hora da verdade
Recebi os resultados quase dois meses mais tarde. Um mail: "Parabéns! Os dados da pessoa cujo nome é referido acima já estão disponíveis no site 23andme". A seguir, os dados para login e um link para o Getting Started Guide...
Digitei o meu user e a minha palavra-chave, disposta a encarar os resultados sem hesitar. Mas devo confessar que me senti um pouco como quando, anos antes, recebera os resultados de um teste ao HIV, por ocasião de um pedido de crédito à habitação: cheia de medo - apesar de pensar que não havia grandes riscos de o veredicto ser mau. E, tal como naquela ocasião, também pedi ao meu marido para ficar ao meu lado e segurar a minha mão...
"Welcome to you" ("Bem-vindo a você próprio") foi a primeira frase que apareceu ao aceder à minha página pessoal. Por baixo, várias secções: "A minha saúde e as minhas características"; uma secção de inquéritos; e outra chamada "semelhança global". Onde estavam os meus resultados? Onde estavam os meus genes? A lista das doenças? A origem dos antepassados? Tudo parecia, à primeira vista, muito confuso. Comecei pelos meus "dados brutos" - ou seja, as sequências de letras do meu ADN que tinham sido descodificadas, e descobri que a sua leitura era, no mínimo, indigesta. Listas e listas de milhares de números, letras, nomes de genes, links para bases de dados genéticas incompreensíveis, comparações com "sequências de referência" (fossem lá o que fossem) das quais nunca tinha ouvido falar.
Voltei à pagina inicial e, decidida a despachar primeiro a questão das doenças, cliquei no link "A minha saúde e as minhas características". Uma das primeiras coisas que tive de fazer foi escolher visualizar (opt-in) os resultados relativos a um tipo de cancro da mama hereditário. Como estava um pouco nervosa com toda a situação, imaginando o que poderia vir a descobrir de aterradoramente inevitável, fiz quase precipitadamente aquilo que devia, pelo contrário, ter ponderado com mais cuidado: carreguei alegremente na confirmação de que sim, queria ver os resultados. Percorri a nova página até ao fundo e só então percebi do que se tratava.
Acontece que estes resultados dizem respeito a mutações que podem atingir dois genes tristemente célebres, chamados BCRA1 e BCRA2. Estes genes, apesar de serem responsáveis por apenas dois por cento dos cancros da mama, fazem disparar, nas suas portadoras, as hipóteses de desenvolver cancro da mama (e do ovário) para 50 a 80 por cento. Um nível de risco que raia a certeza absoluta. E mais ainda, como pude ler na mesma página, nos judeus asquenazins (entre os quais me incluo), essas mutações são responsáveis por 80 a 90 por cento dos cancros da mama e do ovário hereditários. Mas, felizmente, não sou portadora de nenhuma das três mutações testadas pela 23andme. Só que, a posteriori, tenho suores frios: como é que me teria sentido se o veredicto tivesse sido diferente? Como é que se vive com uma coisas dessas a pairar por cima da nossa cabeça?

Dezenas de doenças
Também descobri que tenho riscos acrescidos (mas não certezas, aqui as coisas são mais suaves) para duas outras doenças: três vezes mais hipóteses (1,4 por cento) do que a média de contrair um dia a doença de Crohn (uma inflamação auto-imune crónica do intestino) e quase duas vezes e meia mais hipóteses (2,3 por cento) de vir a ter diabetes de tipo 1 (causada pela destruição das células produtoras de insulina do pâncreas). A primeira tem uma componente hereditária de 50 a 60 por cento; a segunda, de 72 a 88 por cento. Curiosamente, tanto quanto sei, não tenho uma história familiar destas doenças. Mas terei de ficar alerta a partir de agora - e falar com o meu médico para ver se posso fazer algum tipo de prevenção.
No total, o meu relatório contém 102 itens, entre doenças, mutações graves, atributos físicos e outros. Nalguns casos, a relevância dos SNP analisados está amplamente confirmada, mas o impacto das mutações não é assim tão grande. Noutros, ainda não há consenso sobre a relevância dos respectivos SNP. Uma grande parte das informações que nos dão baseia-se em resultados preliminares. Mas os dados são apresentados na mesma e deixados à nossa apreciação. Há links para os mais recentes artigos científicos sobre cada tema, o que nem sempre é esclarecedor, pois as conclusões são frequentemente contraditórias. Mas está tudo indubitavelmente bem feito.
Rapidamente: tenho um risco mais elevado do que a norma para uma série de cancros, riscos médios para outros e riscos reduzidos para outros ainda. Mas quem não tem? Felizmente, não pareço ser candidata à esclerose em placas, para a qual a propensão genética é bastante decisiva (24 a 86 por cento).
O meu risco é médio para as crises cardíacas (cuja componente hereditária poderá atingir os 57 por cento). Já agora, ter um "risco médio" pode ser bastante incómodo, se esse risco médio for alto... e, no caso do enfarte, ronda os 20 por cento. Pior ainda, no caso da obesidade, onde o meu risco também é médio - esse risco é de... 60 por cento (na população norte-americana, pelo menos). Tudo é relativo, em suma. Mas é claro que o meu risco também é influenciado pelo meu estilo de vida, alimentação, etc. - e que, em abono do lado positivo das coisas, acho que tenho alguma margem de manobra para minimizar os riscos.

Olhos castanhos
Do lado dos traços físicos, fiquei a saber que tenho "provavelmente os olhos castanhos". De facto, são verdes. O meu pai tinha olhos castanhos, mas eu não, disso tenho a certeza. Ora, o verde aparece no relatório apenas como terceira escolha, a seguir ao azul. Quando vi o resultado, pensei: "Se não acertam na cor dos olhos, qual é o grau de confiança do resto?" Mas a realidade, como se lê logo a seguir na mesma página, é que, apesar de ser quase totalmente hereditária, a cor dos olhos é governada por uma catadupa de genes. Ou seja, a genética da cor dos olhos é muito complexa e ainda não se conhece a maioria dos genes envolvidos. Outra surpresa foi descobrir que os meus genes ditam que é provável que não tenha muitas sardas nem sinais. Não pude deixar de rir - tenho imensas sardas e sinais. Mas, no fundo, como a cor da pele e a dos olhos estão ligadas, era lógico que se enganassem aqui também.
Os meus genes e eu concordamos, contudo, nalguns pontos: dizem-me que sou intolerante à lactose (e, de facto, beber leite dá-me náuseas); que sou susceptível às gastroenterites virais (como já constatei...); que a cera dos meus ouvidos é húmida (certo!); e que não coro quando bebo álcool (certo!). Mas também me informam que não deveria gostar do sabor amargo dos brócolos nem do café sem açúcar - mas gosto -; que não sou resistente à malária nem ao HIV (espero nunca ter oportunidade de o confirmar); que tenho músculos de corredor (talvez devesse dedicar-me ao jogging... mas não me dedico). Um último resultado - e aqui confio na genética: não tenho a mutação associada à mucoviscidose (ou fibrose cística, uma grave doença hereditária). A informação é importante para os portadores, porque, mesmo que a pessoa não tenha a doença, pode transmiti-la à sua descendência.
Há também, nesta extensa lista, uma série de atributos do foro cognitivo, tais como "medidas da inteligência" (parece que sou esperta!); memória (parece que tenho boa memória!). Também dizem que aprendo com a experiência. Mas aqui encontramo-nos em terreno muito movediço, como é fácil imaginar.

Raízes genéticas
Como já disse, a minha principal motivação, ao encomendar o kit, era conseguir descobrir alguma coisa acerca dos meus antepassados - ou melhor, das minhas antepassadas, uma vez que, sendo mulher, não herdei o cromossoma Y do meu pai e, por isso, não é possível obter dados inequívocos sobre os meus antepassados paternos a partir do meu ADN. Para isso, seria preciso que o meu irmão, ou um dos seus filhos, fizesse o teste do cromossoma Y, mas isso é outra história.
Para determinar a minha "herança matrilinear", a 23andme analisou o meu "ADN mitocondrial", uma parte do património genético que não se encontra no núcleo das células, como o resto dos genes, mas numas estruturas chamadas mitocôndrias, que são as baterias das células transmitidas, intactas, da mãe para os filhos de ambos os sexos, dentro da "clara" do ovócito. Ao contrário do que acontece com o resto do genoma - onde metade da informação vem do pai através do espermatozóide e a outra metade vem do óvulo da mãe -, as mitocôndrias e o seu lote de genes provêm apenas da mãe.
O ADN mitocondrial, que contém uns 16 mil pares de "letras" (A, T, G, C), foi legado à nossa mãe pela nossa avó materna, a esta última pela nossa bisavó materna e por aí fora. Ao longo das gerações, este bocadinho de ADN vai sofrendo mutações cuja frequência é mais ou menos conhecida. Esta particularidade tem sido usada pelos geneticistas como um "relógio molecular" para recuar no tempo (e no espaço) até à chamada "Eva mitocondrial", a mãe de todos os seres humanos modernos. Graças aos estudos do ADN mitocondrial, é hoje consensual que essa mulher primordial viveu em África há uns 200 mil anos.
De cada vez que uma nova mutação surge no ADN mitocondrial de uma mulher, e que essa "mãe fundadora" a transmite aos seus filhos, isso dá, em princípio, origem a uma nova linhagem matrilinear. Mas nem todas perduram: só algumas dessas famílias genéticas - ou "haplogrupos", como dizem os especialistas - sobreviveram até hoje, nos genes dos diversos povos do mundo. E comparando as diferentes linhagens de ADN mitocondrial presentes nas populações actuais, os cientistas recuam no tempo para reconstituir, em grandes traços, a origem no tempo e no espaço dos diferentes haplogrupos e perceber as deslocações humanas ao longo dos milénios.
A 23andme sequencia o ADN mitocondrial na íntegra e, a partir daí, determina o haplogrupo da pessoa - a sua família por via matrilinear. Por vezes, o haplogrupo fornece informações que são sobreponíveis a eventos que aconteceram há apenas um ou dois mil anos.

Desilusão genealógica
O meu haplogrupo, porém, chamado H7, é aparentemente muito raro (o que deve significar, simplesmente, que ainda são poucas as pessoas cujo ADN mitocondrial foi lido e que revelaram pertencer a este grupo). Isso faz com que a origem geográfica e a idade do meu haplogrupo sejam, por enquanto, muito vagas.
Confesso que foi uma desilusão. Tinha imaginado que iria saber como terá vivido, e onde e quando, a longínqua mãe fundadora da qual sou uma descendente directa. Mas isso não aconteceu. Paciência.
Entretanto, nas últimas semanas, já visitei uma série de fóruns de clientes da 23andme, fiz uma série de pesquisas no Google, escrevi mails para aqui e acolá. Descobri que havia maneiras de comparar os meus genes mitocondriais com os de outros, mas ainda não consegui fazê-lo concretamente. Inscrevi-me numa mailing list no Yahoo! de pessoas que também pertencem ao haplogrupo H7, mas algumas das informações que recebi por essa via parecem contradizer outras, que li noutros sítios.
O que sei, por enquanto, é que o H7 é um dos descendentes de um outro haplogrupo, o H, que é hoje o mais comum na Europa e que, segundo explica a 23andme, teve origem no Médio Oriente há uns 35 mil anos. Há 25 mil anos espalhou-se pela Europa. Mas uns milénios mais tarde, no auge da última Era Glaciar, esses homens e mulheres foram obrigados a refugiar-se nas regiões mais amenas do continente - Península Ibérica, Itália, Cáucaso. O que aconteceu a seguir é sugerido por vários estudos - um deles da autoria da equipa de António Amorim, do IPATIMUP: quando o gelo começou a regredir, há uns 15 mil anos, os membros do haplogrupo H terão começado a reocupar a Europa, dando origem, mais tarde e após mais algumas atribulações, a diversos sub-haplogrupos, entre os quais o H7.

Uma sopa de letras?
Uma outra coisa que descobri acerca da "geografia" dos meus genes (e não só dos mitocondriais) é que, embora mais de 99 por cento dos meus cromossomas acusem uma origem europeia, uma porção inferior a 1 por cento tem proveniência asiática. Fiquei cheia de curiosidade quanto à origem geográfica daquela ínfima fracção vinda de outro continente...
Também pude confirmar - graças a uma interessante funcionalidade do site, a "semelhança global" apregoada na página de boas-vindas - que a população cujos cromossomas mais se parecem globalmente com os meus está centrada na Ucrânia. O que não me surpreende, uma vez que foi precisamente da Ucrânia que veio a minha família, tanto materna como paterna.
Poder-se-á objectar que, globalmente, não fiquei a saber muito mais do que já sabia. Afinal de contas, olhando para a história dos meus pais, avós, etc., consigo ter uma ideia bastante apurada das patologias hereditárias que me poderão ameaçar ao longo da vida. Não preciso de um perfil genético para isso. E também não preciso de conhecer os meus genes para saber que o melhor é ter uma vida saudável, activa, etc.. Quanto às minhas origens, permanecem tão obscuras, ou tão claras, como antes. No fundo, os dados que obtive não passam de uma gigantesca sopa de letras.
Mas não é bem assim; a situação não é estática. À medida que surgirem novas informações fidedignas acerca de um ou outro SNP entre os mais de 500 mil analisados, a 23andme actualizará rapidamente o meu perfil para as ter em conta. O serviço que pagamos inclui a actualização da interpretação dos nossos dados à luz das mais recentes investigações. O que posso perguntar-me é o que irei fazer quando eles oferecerem a todos os seus clientes a possibilidade, como já foi anunciado, de saber se estão em risco de ter um dia a doença de Alzheimer. Ainda não sei. O que sei é que, apesar das evidentes limitações desta nova ciência, continuo fascinada com aquilo que imagino que os meus dados genéticos poderão vir a contar-me no futuro. E isso é, só por si, uma aventura cada dia renovada.

(ERRATA - A dado passo refere-se que a 23andme sequencia o ADN mitocondrial "na íntegra". É um lapso. São de facto apenas os SNP, ainda que, ao contrário de outros serviços de genealogia genética, a 23andme não se limite aos SNP de uma pequeníssima porção desse ADN, chamada região hipervariável, mas leia 3000 SNP espalhados pelo ADN mitocondrial, o que dá informação de resolução mais elevada. - Publicado na secção "O PÚBLICO errou" do dia seguinte).