sexta-feira, 8 de maio de 2009

Perdigotos

Hoje, pela primeira vez em mais de duas semanas, tenho um pouco de tempo para dedicar a esta página. Nos últimos dias, tenho-me dedicado full-time a publicar artigos no PÚBLICO sobre outros genes – os do vírus da nova gripe. Diga-se de passagem que parece mentira que um genoma tão pequeno como o deste vírus, com apenas uma dezena de genes, seja tão difícil de dissecar e perceber.

Mas, no fundo, percebe-se facilmente porquê: ele nunca é exactamente o mesmo de uma pessoa para outra – e, para saber donde é que veio, é preciso construir a árvore da sua evolução genética tendo em conta um número cada vez maior de pessoas infectadas. Trata-se de um tipo diferente de “genómica pessoal”, mas que cobra imensa importância em circunstâncias de pré-pandemia como as que vivemos actualmente.

Voltando aos meus genes, o blogue da 23andme, chamado The Spittoon (O Cuspidor), de que já falei, contém artigos muito em dia, na sua secção SNPWatch, sobre os estudos genéticos relacionados com riscos (maiores ou menores) de ter doenças, que vão sendo publicados nas mais importantes revistas científicas mundiais. Deixo aqui ficar alguns dos “perdigotos” mais marcantes das últimas semanas, que fui, claro, comparando com o meu próprio ADN.

Estas potenciais relações entre uma dada mutação pontual (ou SNP) e uma dada doença ainda não estão provadas – e correspondem em geral a riscos apenas ligeiramente diferentes da norma na população geral. Mas dão uma ideia do que se sente quando não são apenas os SNP de pessoas anónimas que estamos a escrutinar – mas os nossos. Passo a citar o SNPWatch:

1 – New England Journal of Medicine (15 de Abril)
A análise conjunta dos dados do estudo de um grupo de pessoas de ascendência europeia nos EUA e na Holanda revelou que a versão A [do SNP designado pelo nome de código] rs12425791 está associada a um risco 1,29 vezes maior de isquemia cerebral [um tipo de AVC].

No fim do texto, há um link directo para o par de letras, ou bases do ADN (uma vinda do meu pai e a outra da minha mãe), que compõem o meu SNP rs12425791. Clico no link e vou dar ao meu "genotipo": AG.



2– Nature (28 de Abril)
[Os cientistas] descobriram vários SNP associados ao autismo. Todos estavam situados numa região do ADN entre dois genes, CDH9 e CDH10, que comandam o fabrico de proteínas chamadas caderinas. “Estas duas moléculas estão presentes na superfície dos neurónios e estão implicadas (...) nas ligações funcionais entre diferentes regiões cerebrais. (...) A nossa estimativa é que as variantes que descobrimos poderão contribuir para até 15 por cento dos casos de perturbações de tipo autístico na população”, diz [um dos autores] num comunicado.
O sinal mais forte veio do SNP rs4307059: comparado com duas cópias [da variante genética] C, cada cópia [adicional] da variante mais comum T fazia aumentar os riscos de autismo 1,19 vezes.

O meu rs4307059: CT. (Mensagem para os mais curiosos: decidi que a análise dos meus eventuais traços de personalidade autísticos ficaria entre mim e a minha imagem no espelho.)


3 – Archives of Ophthalmology (14 de Abril)
Os investigadores descobriram que um SNP em particular, no gene TGF-β1, estava associado à forte miopia [mais de oito dioptrias]. Cada A em rs4803455 reduzia o risco de ser muito míope (multiplicando-o risco normal por 0,67).

O meu rs4803455: AA. (Com que risco duplamente reduzido? Estranho… É verdade que não chego às oito dioptrias, e que só a partir daí é que este estudo considera que as miopias são fortes, mas ando lá perto. Portanto, não acredito muito neste resultado.)


4 – Journal of the American Society of Nephrology (1 de Maio)
Cientistas estudaram 260 pessoas que tinham tido um bypass e constataram que os que tinham um A em cada cópia de rs4680 entravam em choque mais frequentemente, quando comparados com os que tinham outros genotipos (69%, contra 57% nas pessoas AG e 46,6 % nas GG). (...) A duração do choque para além de 48 horas também era mais frequente nas pessoas com dois A (25% contra 13% para as AG 6,8% para as GG). (...) As pessoas com dois A também tinham mais problemas renais agudos. A permanência mediana no hospital após a cirurgia era maior para as pessoas com dois A (nove dias contra oito dias para as AG e sete dias para as GG).

O meu rs4680: AG (Entre duas águas, portanto.)

(Crédito imagem principal: net_efekt/Flickr)

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