terça-feira, 2 de junho de 2009

Lei mosaica virada do avesso pela genética

Diz a lei rabínica de Israel – ou lei mosaica – que é judeu (mesmo que pratique outra religião e mesmo que não o saiba) quem tem uma mãe judia. A mãe é por sua vez judia porque teve por sua vez uma mãe judia, que teve por sua vez uma mãe judia e por aí fora, remontando assim até Adão e Eva. Ou melhor: até Eva.

David Goldstein, da Universidade Duke (de quem já falei) é um especialista da análise do ADN mitocondrial – esse bocadinho do nosso património genético que nos veio exclusivamente das nossas mães e lhes foi transmitido a elas pelas suas mães, ad infinitum, por via matrilinear directa. Mas, ironicamente, através da genética, Goldstein põe radicalmente em causa a tradicional visão matrilinear do judaismo.

A genética revelou que existem actualmente no mundo umas dezenas de “haplogrupos” (linhagens genéticas) de ADN mitocondrial, cada uma delas derivada de uma “mãe fundadora” que viveu há milhares de anos (e cada uma, por sua vez, derivada da mãe de todas as mães, a “Eva mitocondrial”, que viveu em África há cerca de 200 mil anos).

Mas ao fazer a análise genética do ADN mitocondrial, Goldstein descobriu, em 2002, que o ADN mitocondrial dos judeus parece descender das populações locais que povoavam a Europa há milhares de anos – e não de hipotéticas “mães ancestrais” judias.

Posso dar aqui o meu próprio exemplo: sou judia e a análise dos meus genes mostra que pertenço ao haplogrupo mitocondrial H7, que é um subgrupo do haplogrupo H, que por sua vez é hoje o haplogrupo mais comum nas pessoas de ascendência europeia, sejam elas judias ou não.

Já uma situação completamente diferente caracteriza o cromossoma Y, que é legado exclusivamente de pais para filhos (as mulheres não tem cromossoma Y, visto ser o cromosoma que define o sexo masculino).

Ora, em 2000, Michael Hammer, da Universidade do Arizona, constatou que o cromossoma Y dos judeus do mundo inteiro parece provir de um número muito pequeno de “pais fundadores”, originários do Médio Oriente e diferentes dos de outras populações.

A teoria de Goldstein permite de facto explicar esta dupla realidade genética configurada pelas características pouco específicas do ADN mitocondrial e muito específicas do cromossoma Y.

A teoria, explicava há uns meses um artigo do New York Times, é que as comunidades judias da Europa foram na realidade fundadas por homens que migraram do Médio Oriente para Europa e casaram com mulheres locais. Elas não eram judias à partida, mas convertiam-se ao judaísmo quando casavam.

A lei mosaica foi virada do avesso pelas leis da genética.

P.S:
Em 2006, uma equipa liderada por Doron Behar, do Centro Médico Rambam em Haifa, Israel, mostrou contudo – mais uma vez através da análise genética do ADN mitocondrial – que, hoje, cerca de metade dos judeus ashkenazes (“alemães”) do mundo descendem de apenas quatro “mães fundadoras”, provavelmente hebreias e originárias do Médio Oriente, que terão vivido na Europa do Norte, naquilo que é hoje Alemanha, há mil a dois mil anos atrás. Para esses, pode ser que a lei mosaica faça algum sentido.

Seja como for, no fundo, o que tudo isto significa é que uma parte dos primeiros homens judeus a instalar-se no continente europeu se deslocou para a Europa com a família, enquanto outros viajaram sozinhos e fundaram família in loco. Uma banal história de imigrantes, em suma.

Imagem: Rembrandt, Estudo para A Grande Noiva Judia (crédito: Endless Forms Most Beautiful/Flickr)

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