sexta-feira, 26 de junho de 2009
O problema da partilha total dos dados genéticos
Participo numa mailing list de genética e recebi pedidos de outros participantes que me pedem que lhes envie a minha informação genética “bruta” de alguns dos meus cromossomas (ou seja, a sequência de letras lidas quando fiz o meu teste genético).
Muita gente está interessada nisto, uma vez que certas comparações só podem ser feitas através de softwares ad hoc. Há um grande número de geneticistas amadores por essa Web fora – e alguns deles desenvolveram programinhas mais ou menos fáceis de usar para extrair informação do genoma – e em particular para comparar pessoas que não passaram pela mesma empresa para realizar os seus testes.
Confesso que tenho ignorado estes convites/pedidos. Confesso que a ideia de que parte ou a totalidade do meu genoma (ou mais precisamente, uma parte ou a totalidade das 550 mil letras do meu ADN que foram lidos pela 23andme quando fiz o teste genético) ande a circular por aí, sem eu saber exactamente onde, dá-me alguns arrepios.
Há uns dias, porém, enviei de facto por email toda a minha informação em bruto (à qual tenho acesso) porque vou participar num projecto científico que acho muito interessante. Mas quando, durante um instante, pensei que me tinha enganado no endereço de email e enviado os meus dados para todos os participantes da dita mailing list, fiquei angustiadíssima. Felizmente, foi um falso alarme…
Num artigo, há uns meses no New York Times, o conhecido cientista Steven Pinker perguntava-se justamente quais poderiam ser as consequências de publicar o seu genoma (e no caso dele, todo o genoma mesmo, pois ele é um dos primeiros participantes num projecto de sequenciação total).
A sua resposta resumia-se a isto: se uma seguradora ou qualquer outra entidade quisesse penetrar no segredo dos nossos genes para tirar ilações sobre as nossas características individuais, estaria condenada ao fracasso. Os genes fornecem informação essencialmente estatística, que se aplicam a grupos de pessoas. E, salvo em raras excepções, a sua contribuição para cada doença ou traço físico ou psicológico é quase inextricável.
“Muitos dos receios levantados pela genómica pessoal ignoram simplesmente a realidade complexa e probabilística dos genes”, escreve Pinker. “Esqueçam (…) as empresas de tipo “Gattaca” [alusão ao filme do mesmo nome] que lêem o ADN das pessoas para as distribuir por diversas castas, os empregadores ou pretendentes que penetram no nosso genoma para ver que tipo de trabalhador ou de cônjuge faríamos. Deixem-nos tentar: estão a perder o seu tempo.”
Isso é verdade na maioria dos casos. Mas o que dizer de certas doenças genéticas graves e devidas a um único gene, para os quais uma seguradora, por exemplo, poderia rapidamente determinar a nossa propensão e recusar-nos uma apólice – ou um potencial empregador negar-se a contratar-nos? Mesmo aquele bocadinho de ADN que está nas mitocôndrias das células, e que serve para determinar a ancestralidade por via matrilinear, contém genes de doenças – alguns dos quais ainda não identificados.
Quando fiz o meu teste genético e escrevi sobre os resultados, sabia que poderia vir a desvendar coisas que poderiam um dia “ser utilizadas contra mim”, num cenário muito pessimista, uma vez que a exploração de dados genéticos por terceiros quase não está regulamentada. Decidi correr esse risco porque a minha curiosidade era maior do que o meu medo do hipotético perigo envolvido – e porque achava que era importante escrever sobre o tema.
No caso do projecto científico em que disse que vou participar – e que está ser desenvolvido por investigadores de Harvard – tenho a garantia de que os responsáveis são idóneos. Vão utilizar a minha informação, juntamente com a de muitos outros, para desvendar os mistérios da ancestralidade de uma população no seu conjunto (já falarei deste projecto noutra altura), mas sem revelar a ninguém (a não ser a mim) quaisquer traços individuais do meu genoma. Tive de assinar vários formulários de consentimento da minha parte onde eles especificam por extenso, do seu lado, o que podem e não podem fazer com a minha informação genética.
Já não é de todo a mesma coisa difundir de maneira informal a minha sopa de letras, que pode incluir informação relevante do ponto de vista médico. Como sabemos, a informação pode espalhar-se como um vírus na Internet e acabar por cair nas mãos erradas. Tenho a certeza de que as pessoas que me pedem para lhes enviar este ou outro cromossoma o fazem com as melhores intenções do mundo, não é isso que está em causa. Mas sinto que se aceitar, deixarei de ter o controlo sobre a minha informação genética. E por enquanto, apesar dos riscos serem muito remotos (nisso concordo com Pinker) esse é um passo que não ainda estou disposta a dar.
Crédito fotográfico: Dollar Bin/Flickr
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Nao o faca, nao envie nunca o seu perfil genetico a ninguem que nao se identifique devidamente como cientista (e ja agora, associado a um instituto de investigacao publico, onde facilmente se pode controlar a etica da investigacao).
ResponderEliminarAs consequencias podem ser minimas hoje em dia, mas os avancos nesta area estao a ser vertiginosos, pelo que num futuro se calhar proximo, a sequencia genetica de um individuo pode muito bem ser usada para todo e qualquer fim...
Sugiro um filme, GATACA. Apesar de ser ficcao, podera ser um futuro, o nosso.
Ja agora, Parabens pela coragem de desvendar os seus misterios geneticos. Ancestralidades a parte, muitos segredos nao tao desejaveis poderiam/ao vir ao de cima.
Bons dias!
ResponderEliminarNeste momento sou aluno do 2º ano da licenciatura de Genética e Biotecnologia na UTAD e descobri recente este blogue, que devo dizer, é bem interessante sem dúvida. Relativamente a este post, “O problema da partilha total dos dados genéticos”, decidi comentar para deixar aqui um pouco do conhecimento que já possuo sobre o assunto.
Vejo a partilha total e até parcial dos dados genéticos de cada um de uma maneira muito céptica.
Hoje em dia já se conhecem variados genes, que embora não dominem a nossa vida, vícios e saúde, nos propiciam para ter doenças ou acções. Estes factores, até que seja discutida uma legislação que as tome em conta, podem ser bastantes perigosas. Deixo vários exemplos:
Inúmeras seguradoras de saúde á volta do mundo excluem condições crónicas ou doenças pré-existentes. O facto de possuírem o nosso DNA podem leva-los a considerar condições pré-existentes variadíssimas doenças incluindo quase todos os cancros (já que a maioria são influenciados por genes).
As contratações numa empresa, caso a nossa sequência genética seja divulgada livremente, também podem ser influenciadas. Existem genes que influenciam comportamentos violentos, traições (pessoais e profissionais), a concentração etc.
É possível falsificar DNA! Pelo que conheço ainda é necessária uma amostra real para o ampliar e posteriormente colocar em outras células. Contudo, fica o aviso, mais cedo ou mais tarde, com a sequencia de letras em papel, vai ser possível criar DNA real.
Tudo isto pode parecer ficção científica, mas não é! Todos os exemplos que dei já foram reconhecidos pela comunidade científica.
Obviamente que não é qualquer um que é capaz de realizar estas análises e procedimentos, portanto não há que ficar em pânico por deixar o seu DNA numa beata de cigarro. Contudo fica o aviso sobre partilhar livremente os seus dados genéticos!
Mais informações visitar: http://ivommp.pt.vu