quinta-feira, 23 de abril de 2009

Apelido

Ça c’est un nom bien de chez nous!” (Esse é um nome mesmo de cá!). Esta resposta, que me foi dada por um alsaciano com quem falei ao telefone há uns anos quando me ofereci para soletrar “Gerschenfeld”, deixou-me estupefacta. Era a primeira vez na minha vida que o meu apelido soava a “de cá” fosse a quem fosse.

Pelo contrário, habituei-me – em França e ainda hoje em Portugal – a ouvir comentários do tipo “ai, que nome tão complicado!” ou “o seu nome não é de cá, pois não?”. Ou, pior ainda, a suportar deformações fonéticas do meu patronímico que vão claramente para além do que seria razoável esperar (“Mme Chantapel? Daqui fala...” foi o início de um outro contacto telefónico inesquecível, também em francês).

Para aqueles que sempre tiveram apelidos “bem de cá”, seja em que país for, isto pode parecer estranho, mas acreditem na minha surpresa e satisfação perante a resposta daquele (imediatamente) simpático interlocutor alsaciano. Afinal, o meu nome talvez fosse mesmo de algum lado...

Agora, relendo as memórias do meu pai que, cinco anos após a sua morte em Paris, e sob o título de Autobombo, acabam de ser publicadas na Argentina (pela Libros del Zorzal) – país para onde ele emigrou da Polónia, com a família, aos seis meses de idade –, descobri uma explicação histórica para a espontânea familiaridade daquele senhor alsaciano em relação a apelidos como o meu.

Os apelidos paterno e materno [Gerschenfeld e Rosenblatt], escreve o meu pai, fazem-me pensar que a minha família provinha da Alsácia ou da Renânia, onde os judeus se tinham instalado no século XIV, após a sua exclusão de França e Inglaterra. Sucessivas expulsões obrigaram-nos a deslocar-se para leste, para outras regiões da Alemanha, e, nos séculos XV e XVI, assentaram finalmente no então Reino de Polónia (que incluía também parte da Ucrânia).
Naquela altura, era proibida a residência de judeus no Império dos Czares, mas na sequência das sucessivas partições do Reino de Polónia, entre 1772 e 1795, mais de 70 por cento dos territórios daquele reino foram anexados ao Império Russo. Dessa maneira, os judeus passaram automaticamente a ser súbditos discriminados daquele império, uma vez que Catarina a Grande lhes impôs a obrigação de permanecer na chamada zona reservada (em russo,
Cherta Osedlosti), que abrangia territórios que hoje fazem parte das actuais Polónia, Lituânia, Ucrânia, Roménia e Bielorrússia.
(Páginas do livro, no espanhol original, que contêm esta passagem)

Tudo se explica... Como também se explica que, olhando mais de perto para o mapa das minhas semelhanças genéticas, construído pela 23andme e de que já falei neste blogue, me tenha apercebido de que, embora os “ucranianos” sejam, como já referi, a população cujos genes são os mais parecidos com os meus, o mapa coloca-me na realidade na confluência de populações de todos os cantos de Europa – e em particular da Europa do Norte, onde se incluem os franceses e os alemães.

Por outro lado, também estou muito perto dos austríacos – e, na Europa do Sul, dos italianos –, o que sugere que o percurso dos meus antepassados, talvez antes do fim da Idade Média, poderá ter sido ainda mais acidentado.

Crédito da fotografia que aparece na capa do livro: Mario Muchnik

terça-feira, 21 de abril de 2009

Incertezas

Conhecer as mutações genéticas que se escondem nalguns pontos do nosso ADN serve ou não para sabermos realmente quais são os nossos riscos face a doenças como a diabetes ou os AVC?

Alguns especialistas começam a duvidar disso, contestando a ideia – que tem sido o credo nos últimos anos – de que a maior parte das doenças comuns são causadas por umas poucas variações genéticas comuns. Este pressuposto tem motivado dezenas de estudos ditos “à escala de todo o genoma”, onde os geneticistas partem à caça de genes de doença através da detecção de mutações pontuais, os célebres SNP, que estejam amiúde presentes nas pessoas doentes mas não nas saudáveis.

Mas esta situação simples só se verifica em raras excepções, diz David Goldstein, geneticista da Universidade Duke nos EUA, que comentava há dias a questão no New England Journal of Medicine. Pelo contrário, o mais provável é, segundo ele, que a grande maioria das doenças comuns seja causada por uma multidão de mutações raras, que numa dada pessoa se combinam, numa lotaria genética, para produzir uma doença.

Se assim for, de pouco ou nada servirá fazer um teste genético pessoal junto de empresas como a 23andme – como o que eu própria fiz – e outras para conhecer esses riscos, uma vez que os testes que essas empresas realizam não passam da leitura de meio milhão ou pouco mais de pontos na molécula de ADN onde se sabe que podem existir essas mutações mais comuns identificadas nos estudos acima referidos. Na esmagadora maioria dos casos, esses resultados nunca nos darão the big picture e mais vale remetermo-nos então ao nosso histórico familiar de doenças para termos uma ideia do que nos espera – a velha “história clínica” cuja importância os médicos de há um século tanto sublinhavam.

Para Steve Jones, conhecido geneticista do University College de Londres que escreve hoje no Daily Telegraph, as pessoas que fazem estes testes genéticos estão simplesmente a atirar o seu dinheiro pela janela. Goldstein, por seu lado, argumenta ainda que, mais frutífero do que ler muitos bocadinhos de ADN de muitas pessoas, o que valeria mesmo a pena, do ponto de vista da investigação médica, é ler o ADN todo – a sequência das duas vezes três mil milhões de letra – de menos pessoas, à procura das verdadeiras e complexas raízes das doenças humanas.

Mas nem tudo são más notícias: ninguém pôs até agora em causa a parte dos testes que têm a ver com genealogia – e Goldstein é aliás um dos grandes especialistas da questão. De facto, isso é muito mais divertido e excitante do que o resto; nunca duvidei e vou continuar a escarafunchar.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Alergias

Pertenço claramente, do lado do meu pai, a uma família de alérgicos. Felizmente, eu não sofro muito disso (sou alérgica a alguns medicamentos como a penicilina e pouco mais, tanto quanto sei, apesar da ocasional comichão por razões indeterminadas). Mas os homens da minha família contam uma história totalmente diferente. Lembro-me, em criança, de ver as mãos do meu pai com placas de eczema entre os dedos (dermatite atópica) que lhe faziam imensa comichão. Isso acontecia, explicava-nos, porque no seu laboratório (era biólogo) mexia em reagentes que lhe produziam reacções alérgicas da pele. O meu irmão e os seus filhos já tiveram episódios mais graves do mesmo tipo ao longo da sua vida. A mais famosa das suas vítimas terá sido o pintor francês Paul Gauguin.
Esta manhã, tive a confirmação de que essa propensão está mesmo nos nossos genes. O Spittoon, o blogue da 23andme, cita um artigo da Nature Genetics deste mês que sugere que, apesar de ter uma clara componente ambiental, o eczema também é genético. O estudo conclui que 13 por cento dos europeus têm uma “letra” T na posição 75978964 da sequência de ADN de ambos os seus cromossomas 11 (um vindo do pai e o outro da mãe) – e que isso multiplica por 1,46 o seu risco de vir a ter eczema em relação ao resto da população. Fui ver as minhas letras nessa posição e... sou TT. Bingo!
Talvez não seja um risco muito grande – e foi talvez por isso que eu me safei. Mas um outro artigo citado no mesmo post do Spittoon refere que essa mesma configuração genética, na mesma posição 75978964 do mesmo cromossoma 11, também faz aumentar os riscos de contrair a doença de Crohn, uma inflamação auto-imune crónica do intestino. Ora, em relação a esta doença, conforme descobri ao fazer agora o teste genético, os meus riscos são três vezes mais elevados do que a média da população. Parece que as peças do puzzle vão encaixando.